A MORTE...
Assisti a algumas imagens do velório
do Bussunda, quando os colegas do Casseta & Planeta deram seus
depoimentos.
Parecia que a qualquer instante iria
estourar uma piada. Estava tudo sério demais, faltava a esculhambação,
a zombaria, a desestruturação da cena. Mas nada acontecia ali de
risível, era só dor e perplexidade, que é mesmo o que a morte causa
em todos os que ficam. A verdade é que não havia nada a acrescentar no
roteiro: a morte, por si só, é uma piada pronta.
Morrer é ridículo.
Você combinou de jantar com a
namorada, está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que
vem, precisa autenticar um documento em cartório, colocar gasolina no
carro e no meio da tarde morre.
Como assim? E os e-mails que você
ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o telefonema que você
prometeu dar à tardinha para um cliente? Aqueles seus planos de uma
nova vida com a pessoa amada?
Não sei de onde tiraram esta idéia:
morrer.
A troco?
Você passou mais de 10 anos da sua
vida dentro de um colégio estudando fórmulas químicas que não
serviriam pra nada, mas se manteve lá, fez as provas, foi em frente.
Praticou muita educação física, quase perdeu o fôlego, mas não
desistiu. Passou madrugadas sem dormir para estudar pro vestibular
mesmo sem ter certeza do que gostaria de fazer da vida, cheio de
dúvidas quanto à profissão escolhida, mas era hora de decidir, então
decidiu, e mais uma vez foi em frente.
De uma hora pra outra, tudo isso
termina numa colisão na freeway, numa artéria entupida, num disparo
feito por um delinqüente que gostou do seu tênis.
Qual é?
Morrer é um chiste. Obriga você a
sair no melhor da festa sem se despedir de ninguém, sem ter dançado
com a garota mais linda, sem ter tido tempo de ouvir outra vez sua
música preferida. Você deixou em casa suas camisas penduradas nos
cabides, sua toalha úmida no varal, e penduradas também algumas
contas. Os outros vão ser obrigados a arrumar suas tralhas, a mexer
nas suas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante uma vida
inteira. Logo você, que sempre dizia: das minhas coisas cuido eu.
Que pegadinha macabra: você sai sem
tomar café e talvez não almoce, caminha por uma rua e talvez não
chegue na próxima esquina, começa a falar e talvez não conclua o que
pretende dizer.
Não faz exames médicos, fuma dois
maços por dia, bebe de tudo, curte costelas gordas e mulheres magras e
morre num sábado de manhã.
Se faz check-up regulares e não tem
vícios, morre do mesmo jeito.
Isso é para ser levado a sério?
Tendo mais de cem anos de idade, vá
lá, o sono eterno pode ser bem-vindo. Já não há mesmo muito a fazer, o
corpo não acompanha a mente, e a mente também já rateia, sem falar que
há quase nada guardado nas gavetas. Ok, hora de descansar em paz.
Mas antes de viver tudo, antes de
viver até a rapa? Não se faz. Morrer cedo é uma transgressão, desfaz a
ordem natural das coisas. Morrer é um exagero. E, como se sabe, o
exagero é a matéria-prima das piadas.
Só que esta não tem graça.
Pedro Bial
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